Tem alguma coisa no reclamar que faz com que seja gostoso.

No começo…

Depois que você experimenta reclamar a primeira vez, meio que como um mau hábito ou, eu ouso dizer, até um vício, o amargor vai pegando, e a gente não consegue pensar direito.

Aquela coisa rançosa vai pegando na vida mesmo, meio que o paladar da gente muda. Qualquer vivência, qualquer acontecimento, os momentos da vida passam a ter muito mais potencial para a gente ver o que tem de ruim do que o que há de bom.

É aí que a gente começa a confundir as coisas: parece que tem muito mais negatividade do que positividade no mundo, quando na verdade é às avessas.

É que a negatividade, como uma carroça vazia, costuma ser muito barulhenta — e tal qual a carroça, vazia.

E, abusando das analogias, é também um baita peso pra se carregar, não? Essa nem de longe é uma vida boa de se viver. E eu posso atestar, viu? São palavras de um reclamão em eterna recuperação: é preciso estar sempre alerta e não deixar a recaída bater.

Eu tenho um amigo querido que um dia, num papo nosso de almoço, me contou que ele aprendeu uma vez que a expressão “reclamar” traz a intenção do “clamar novamente”, ou seja, estamos pedindo por mais — muito mais — daquilo que estamos comentando.

Quando a gente se desafia a reclamar menos e, todo-santo-dia, apreciar mais as coisas “bobas” da vida, tudo muda de sabor.

Sabe aqueles filmes em que a personagem vive tudo em preto e branco com uma música melancólica de fundo até que algo muda dentro dela – de novo, só pra reforçar, o que muda, muda DENTRO dela – e o mundo passa a ter cor, sabor, cheiro, vida? Então…

Não reclamar é um exercício, bem como o exercício de estar presente para o que é cada momento, sem julgar o que vem depois. É tão fácil perder um bom momento pensando nos desdobramentos que nem são reais, são pensamentos criados na nossa mente, e não vividos na realidade. São só frutos da nossa imaginação, da nossa ansiedade ou das inseguranças que colocaram dentro da gente durante a nossa jornada aqui.

Mas eu te garanto, a nossa jornada teve muito mais do que qualquer um possa pensar que sabe sobre nós.

Como um reclamão em recuperação, eu sou obrigado a reconhecer aqui que não estou reclamando da reclamação, é só um testemunho de quem se reabilitou — mas é preciso sempre estar alerta, a felicidade exige presença.